quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Amor cão...

Eles não sabem que o amor é uma prenda de ambos. A prenda mais simples e genuína de todas as que por ai há. Sem embrulhos, papéis, cartões, laços ou laçinhos. Tão simples.
Apenas dada um ao outro, não de mão beijada, mas de coração beijado.
Chegavam a casa juntos todas as tardes, depois do trabalho. Jantavam juntos todos os dias, Adormeciam no sofá ao mesmo tempo todas as noites. Aparentemente o casal perfeito, perfeita e completamente apaixonado.
Casal sem rebentos, sem filhos, nada.
Só eles os dois e o cão. Um cão ruivo, pouco peludo, mas amável.
O cão não adormecia no sofá, o cão não chegava a casa ao mesmo tempo que os apaixonados donos, o cão não jantava junto deles. O cão era o menos amado, mas quem tinha mais amor para dar. Tinha o amor suficiente para dar e vender, sem preço, o que é um verdadeiro motivo de orgulho, principalmente no mundo cão.
O animal já estava velho, ainda assim tinha o mesmo coração.
O par de jarras amado tornou-se demasiado egoísta, excessivamente narcisista, altamente egocentrista. Deixaram o amor que tinham pelo seu amigo peludo de parte, a entristecer, a ser vitima da erosão da vida.
De desgosto e infelicidade o cão iniciou a sua recta final na vida, começou a perder pelo, a deixar de comer, a deixar de andar, a deixar de ir apanhar o sol matinal de que tanto gostava para o quintal das traseiras. O pobre bicho estava a despedir-se, a começar a acenar, sem ninguém saber ou entender.
O casal preocupado, mas pouco. Nem o veterinário lhe pôs a vista em cima. Os donos não mexeram os seus corpos por amor ao seu animal, que tanto os continuava a amar, mesmo depois de tudo, por puro comodismo. O veterinário ficava a 100km . Os três viviam numa vila pequena, isolada do terror da cidade, no meio da paz do campo e seus cheiros alheios.
Num fim de tarde chuvoso o cão saiu de casa, saiu pelo jardim das traseiras, foi até ao pinhal, isolando-se. Deitou-se por de baixo de um pinheiro de copa grande, não apanhando chuva.
Isolou-se para que os seus donos não assistissem á sua partida, amava-os de mais, preferia que pensassem que tinha desaparecido para sempre do que que tinha morrido, também e obviamente para sempre.
Passavam-se horas e o par não sabia do seu cão, mal amado. Procurou na casa toda, não saiu de casa porque chovia a cântaros.
Desistiram e conseguiram sentar-se no sofá a ver um filme feliz e a comer pipocas sem qualquer remorso ou sentimento de perda.
Enquanto viviam, finalmente sozinhos, o cão ia perdendo a vida entre a terra húmida debaixo do pinheiro triste.
O amor cão morreu sozinho, ali, abandonado, sem ninguém saber dele.
E saber dele, só eu sei, porque ele por mim foi inventado, para vos contar esta história de amor mal partilhado.

3 comentários:

mensagens anteriores

direitos de autor reservados - em caso de abuso têm direito a ser processados - é bom saber

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

novo contador de visitas - iniciado a 2 de Abril de 2010 - continuem a lêr-me que eu gosto

Seguidores