domingo, 21 de março de 2010

O HOMEM FARTO:

Não gostava de si mesmo, não gostava de ninguém embora muita gente gostasse dele.
Não queria ver ninguém, beijar ninguém, falar com ninguém, olhar para ninguém. Não queria a pena de alguém. Valia mais não ser do que não ter, achava ele.
Era triste, todos os dias uma lágrima lhe caia do rosto, todos os dias um suspiro de ódio de a si mesmo lhe saia do coração, todos os dias o seu pensamento caía no chão. Pensamento que não lhe servia, pensamento demasiado grande para ele o abraçar. Pensava de mais, não sabia como agir.
Gostava de deixar de ser quem era, queria abandonar esta lugar a que chamamos terra.
Queria que a morte lhe visitasse o corpo e a alma para sempre. O farto homem queria morrer. Teria de ser ele mesmo a fazer isso acontecer, mas não parava de tremer, não tinha coragem, era cobarde.
Estava sempre farto de tudo o que era seu e dos outros, de tudo o que os outros, poucos, tinham com ele. Não queria mais disso.
Numa tarde de trovões foi ao cemitério, e lá se enterrou a ele mesmo, até sem ar morrer, até sem nada ter para comer, até a sua luz se apagar.
Quem o amava chorava, quem o queria mais chorava, quem nunca o teve não sabia.
E ali acabou, enterrado, debaixo da terra escura e húmida por onde todos os dias alguém anda a deixar flores na sua campa vazia de alma.
E com certeza que se pudesse ver esse doce gesto que quem o admirava fazia, não agradeceria.

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